No amor, na distância e no desconhecido
- Emanuel Moraes
- 7 de fev. de 2014
- 9 min de leitura
Segundo a mitologia grega, no início do universo tudo era uma confusão dominada por um vazio desorganizado, com entidades, seres e sentimentos segregados. Mas então o Amor, representado por Eros – filho de Afrodite e Ares – surgiu como a força da natureza espiritual, sendo o responsável com o seu surgimento por unir todas as coisas desconexas desse universo. Platão acreditava que o amor é o anseio do homem por uma totalidade do ser, uma representação do processo de aperfeiçoamento do próprio eu. E segundo Sócrates, o amor é “um desejo de qualquer coisa que não se tem e que se deseja ter”.
Achei necessário trazer essas informações antes de começar esta coluna, para entendermos como esse sentimento começou a ser pensado e, por que não, estudado há muito tempo. Durante séculos o homem fez loucuras por ele, guerras foram travadas, pessoas morreram por esse amor idealizado e marginalizado. Atualmente essa busca continua mais intensa do que nunca, criamos inúmeras maneiras para encontrar o nosso tão sonhado amor – seja ele eterno ou não. Neste começo de século vinte e um, todos sabem que a internet é algo quase onipotente entre nós, a cada dia podemos fazer mais coisas sem esforço algum e com apenas um clique, temos um leque infinito de opções e possibilidades para o que quer que estejamos procurando. Isso não seria diferente com o sentimento mais controverso do mundo. Salas de bate-papo, aplicativos de encontros, sites especializados em encontrar o nosso par perfeito aonde quer que ele possa estar, redes sociais onde podemos interagir e conhecer praticamente a vida inteira das pessoas. Hoje em dia mudar o status da rede social para “relacionamento sério” é algo para sentir orgulho e se gabar com os amigos. É como se tivesse comprado uma Ferrari ou a casa própria na praia com palmeiras e piscina. O tal do amor virou artigo de luxo no mundo da internet.
É normal as pessoas hoje terem relacionamentos onde nunca tiveram a oportunidade de conhecer de perto a outra. Algumas até preferem assim, por ter medo de que possa mudar alguma coisa entre eles e acabarem se decepcionando com algo mais presencial, ou seja, elas sentem medo de perder algo que nunca tocaram, mas que as preenchem sentimentalmente. Será que é mais satisfatório sentir que está em um relacionamento, do que sentir fisicamente a pessoa? O velho modo de encontrar alguém na rua ficou tão difícil que chega a ser mais fácil criar um relacionamento afetivo e intenso com alguém que pode estar quilômetros de distância ou até mentido para você? A internet é uma máscara necessária e protetora no começo dos relacionamentos deste século?
Eu conversei com duas amigas sobre o assunto, aliás, amigas que eu fiz pela internet em um grupo sobre séries no Facebook e passamos a ter um grupo no whatsapp com outras pessoas, grupo este em que nos falamos todos os dias e o dia inteiro sobre tudo. Então já digo de antemão que pelo menos para amizade a internet muitas vezes supri a presença neste quesito, posso dizer que em muitas situações difíceis quando não tinha meus amigos por perto as pessoas daquele grupo me ajudaram muito. Mas escolhi as duas meninas por terem histórias e visões distintas sobre o tema que irei abordar: o relacionamento criado na internet e como ele se desenvolve.
Pelo whatsapp a Carol, estudante de psicologia no Rio Grande do Sul, me contou sobre o seu relacionamento de cinco anos com um cara que mora em Cuiabá e eles nunca se viram pessoalmente. Eu também estranhei, mas continue lendo. Entre idas e vindas, brigas e reconciliações, bloqueios nas redes sociais e reintegrações, e com a amizade passando para um sentimento mais forte, ela me disse que finalmente eles decidiram namorar – exatamente há um mês. Alguma coisa na voz dela pelo áudio que me mandou, e até na forma que ela escreve sobre o relacionamento, dá para sentir o quanto é importante e verdadeiro como qualquer relacionamento presencial. Chega a nos fazer sorrir ao pensar na felicidade em que ela se encontra. Eu perguntei se ela se achava uma pessoa carente, pois muitas pessoas pensam que essa é a causa que leva alguém ao se apaixonar por outra na internet, mas ela me disse com toda a convicção – que um papo a distância pode oferecer – que com ele não se sentia daquela maneira. Contou que deixou de ficar com outros caras por ele. Que gosta do jeito carinhoso dele e que a amizade que eles possuem é a base de todo o relacionamento deles, que cuidam um do outro e que é difícil encontrar alguém assim hoje em dia. Afinal, quem disse que este também não é um relacionamento presencial? Não podemos ridicularizar uma garota que conseguiu o que muitos tentam buscar.
Não consigo não deixar de pensar que ela está certa. Afinal, quantas pessoas podemos dizer com convicção que estão ao nosso lado quando precisamos delas? Quantas pessoas nos fazem sentimos bem sem nada físico em troca ou qualquer outra coisa? Quem nunca precisou de uma pessoa apenas para ter uma palavra de consolo e não escutou uma letra se quer? Muitas pessoas entram em um relacionamento presencial e não possuí o companheirismo do seu suposto parceiro, muitas pessoas acham desnecessário conversar e se conhecer melhor, mas em um relacionamento à distância esta é a chave de tudo. É na realidade o começo de tudo. Essas pessoas muitas vezes acabam se conhecendo melhor do que muito casal que estão lado a lado com um sorriso bobo no rosto para dizer que está tudo bem. Mas não podemos esquecer que isso vale quando as partes são totalmente sinceras umas com as outras, quando se despem e se entregam realmente àquele sentimento. E com a internet nunca se sabe, existem inúmeros casos de pessoas com perfis falsos e intensões que muitas vezes não são boas.
A minha outra amiga, a Isa vestibulanda de medicina e que mora em São Paulo, passou por essa experiência trágica de mentiras na internet. Aos quinze anos se apaixonou por um menino do Rio de Janeiro em uma sala de jogos na internet, eles trocaram e-mail e começaram a se conhecer. Depois de algum tempo ela percebeu que as informações que ele havia passado para ela e as histórias que ele contava não faziam sentido algum. Então ao contar para uma amiga elas começaram a pesquisar sobre esse cara na internet, até que finalmente começaram a trabalhar na hipótese dele ser fake, uma pessoa que além de mentir sobre a própria vida mente também sua aparência roubando fotos de outras pessoas nas redes sociais. Ela o confrontou sobre o assunto e ele mandou uma foto para ela, mas ela me disse que a tal foto continha photoshop, então novamente o questionou e ele desapareceu no mundo cibernético. Por fim a Isa falou que desde o início sentiu que ele era confiável e admirava-o, mas que depois de tudo certamente o jeito dele também poderia ser apenas mais uma mentira. Não podemos esquecer que seja na vida “real” ou na internet, o bom senso e a confiança são coisas que precisam ser desenvolvidas. Temos que tomar cuidado e isso não é novidade, mas algumas pessoas podem se relacionar em um grau com a outra que supostamente conhece e acabar entrando em algo muito perigoso.
Mas alguns relacionamentos dão certo, nem todas as pessoas são mentirosas e querem brincar com os outros, então eu quis saber como fica em um relacionamento à distância a vontade de estar perto e tocar na pessoa. Por isso eu perguntei para Carol como ficava o desejo sexual dos dois, afinal deve ser algo que deve aflorar ainda mais na situação deles. Ela revelou que obviamente existia, ela é virgem e ele não, mas que ele não comentava muito sobre o assunto por ser muito tímido. Parece que não importa a distância e o tempo em que se está relacionando com alguém e as informações que trocamos, o tal do pudor se faz presente, sendo acionado talvez exatamente por ser uma relação verdadeira. Concluo desta forma por perguntar para outras pessoas se era mais fácil se relacionar pela internet do que pessoalmente, e todas me disseram que perdem a inibição quando se tem um computador ou celular como meio de comunicação entre elas. Algumas falaram que é mais fácil até mesmo para dizer “eu te amo”. Por fim perguntei a Carol se ele é o cara em que pensa ser para sempre, nas palavras dela: “Eu acho que sim Manu, com certeza é o que eu mais gostei entre todos que namorei-fiquei”. Quem somos nós para dizer que ela está errada?
Em uma das “buscas” mais recente da Isa, ela conheceu um cara por um aplicativo no celular, dessa vez da mesma cidade e então eles se encontraram. Eu já a conhecia na época e lembro que ficou bem empolgada com o rapaz, dizendo que ele era legal, educado, bacana, que estudava direito e a tratava muito bem e que queria ir devagar. Mas todos sabem que no fundo as pessoas sempre criam as benditas expectativas. Foi praticamente um ACHADO no meio desse turbilhão de pessoas procurando sua cara metade. Mas depois de algum tempo tudo mudou, a ex-namorada dele ameaçou se matar se ele não voltasse para ela e então o rapaz largou a Isa – que já estava emocionalmente relacionada com ele – e voltou com a EX em um piscar de olhos. Algum tempo depois, a Isa já estava se recuperando daquela história, ele a procurou e pediu para voltar, dizendo que eles dois eram perfeitos um para o outro e que era para ela dar mais uma chance para ele. Mas ela já tinha seguido em frente, daquele jeito que nos obrigamos a encarar a realidade e recusar algo que queremos muito, como uma pessoa fora do peso que quer muito uma panela de brigadeiro. Perguntei se ela ainda gostava dele, respondeu que sim, mas que a confiança tinha sido quebrada mais uma vez. Perguntei também se ela se arriscaria novamente com uma relação que começou pela internet, respondeu que não.
Claro que é uma situação delicada e que cada situação é bem diferente uma da outra, não são todos que irão se decepcionar ou encontrar o amor para o resto da vida. Eu tive as minhas experiências na internet e já conheci pessoas de todos os cantos deste país, mas nunca mantive nenhum relacionamento forte a distância, era sempre aquela sensação de “é legal por morar bem longe de mim, por perto eu não tenho sorte de encontrar alguém assim”. Mas em uma dessas “buscas” eu encontrei o meu primeiro amor. E falo amor sem ao menos pensar ao escrever essa palavra por ser exatamente esse sentimento que inevitavelmente acabei sentindo. E foi uma surpresa para mim. Aos 16 anos conheci alguém pelo bate-papo da minha cidade e fui me relacionando aos pouco com essa pessoa, no começo eu não dava muito importância, era alguém que eu ficava de vez em quando e na época eu gostava mesmo era de outra pessoa. Como era bom ser adolescente e não ligar para absolutamente nada. Fui embora da cidade para fazer faculdade e essa pessoa também, mas nas férias sempre voltávamos para visitar nossas famílias e acontecia de ficarmos, nesse tempo mantínhamos contato pela internet e também havia brigas e muitas vezes cheguei a excluir qualquer tipo de contato. Apesar de não gostar verdadeiramente naquela época da pessoa, eu gostava de saber que alguém sentia algo por mim, que eu tinha poder sobre alguma coisa sem fazer esforço algum. Eu paguei por isso. Quando eu voltei de vez da faculdade, e depois de muitas decepções amorosas que eu tive naquela época, essa pessoa estava morando aqui e sempre demostrava que me amava incondicionalmente e parecia estar sempre me esperando. E foi assim que surgiu a ideia mais idiota que eu tive em toda minha vida. Resolvi dar uma chance para a pessoa que eu sempre tratei como um estepe emocional, então eu cegamente me apaixonei – É CLARO, AFINAL SEMPRE TEMOS QUE ACABAR COM NOSSAS VIDAS E COLOCAR MAIS DRAMA.
Todo o rolo e encantamento duraram praticamente 8 anos, mas o namoro presencial não demorou nem 1 ano. Foi tudo muito complicado, apesar dos dois se gostarem muito, havia outras coisas que nos impediram de continuar, situações que escapavam de nossas mãos. SITUAÇÕES QUE EU SABIA QUE ACONTECERIAM MAS MESMO ASSIM EU RESOLVI TENTAR. (Ás vezes me dá raiva eu ser tão a favor desse tal amor seja lá como ele for). Sabe aquelas coisas que já estão predestinadas a não darem certo não importa o que você faça? Então eu tive que terminar a relação. Sofri um inferno, mas, como todo mundo, sobrevivi. E é por isso que eu falo que amar muitas vezes não é o suficiente, existe um mundo inteiro que muitas vezes não se adequa só por causa do que sentimos. Mas isso fica para outro artigo. ;)
Com tudo, precisamos enxergar que não importa como o relacionamento começou, internet ou em um esbarrão no meio da balada, no fim são todos iguais e precisam das mesmas coisas para poderem dar certo. Você pode conhecer alguém na esquina da sua casa e essa pessoa mentir sobre a vida inteira dela e você acreditar sinceramente em cada palavra; pode conhecer alguém pela internet e nunca ter visto aquela pessoa, mas ela é a mais sincera que já conheceu em toda a sua vida; pode se apaixonar da forma que for, mas o seu coração sempre vai estar vulnerável para todos os tipos de emoções. Sócrates e Platão estão certos, estamos sempre tentando buscar algo que não temos para nos preencher, não importa como iremos conseguir. Nós somos assim, vivemos para pelo menos tentar. E qual melhor sentimento para nos motivar a tentar se não o amor? Então, vamos continuar tentando. Acho que iremos continuar tentando até mesmo depois de encontrar, mas nossas tentativas serão feitas para mantê-lo o máximo que pudermos.
Então eu vou adequar uma antiga pergunta para vocês: “No amor e na internet, vale tudo?”
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